Entidades representativas do setor produtivo do Rio Grande do Norte estão otimistas com a reforma tributária, embora parte delas esteja cautelosa em relação ao texto-base aprovado em dois turnos na Câmara dos Deputados entre a noite de quinta (6) e a madrugada de sexta-feira (7). O texto irá para análise do Senado. Segundo as fontes ouvidas pela reportagem, a reforma é imprescindível para o País, mas há receio de que as mudanças resultem em aumento de carga tributárias para alguns setores.
O diretor da CDL Natal, André Macedo, avalia que o debate em torno da reforma foi “encurtado” e que é preciso maior clareza nos pontos que regem o texto-base. Um dos questionamentos levantados por André é o de que os impactos para alguns setores não são conhecidos. “A forma como o texto foi aprovado preocupa significativamente. Alguns estudos indicam que comércio e serviços vão ter incremento importante de carga, que tende a subir para manter a elevação [de carga] que o Governo quer”, afirma.
André Macedo reclama que o texto não traz definições sobre a alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), tributos que vão substituir cinco impostos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS). “Se isso não está exposto, fica impossível entender o tamanho da carga, bem como não se observa, também no texto, a proteção ao aumento dessa mesma carga tributária para alguns setores”, argumenta.
“A principal crítica que pode se fazer é que construiu-se um texto – sendo a última versão divulgada poucas horas antes da aprovação – sem um debate real na Câmara dos Deputados”, acrescenta Macedo. Para a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio Grande do Norte (Fecomércio-RN), é importante que se faça a reforma, mas com um adendo: não há espaço para novos aumentos da carga tributária.
“Defendemos que as mudanças não podem penalizar o setor de Serviços, que é o maior gerador de empregos do país”, alerta Marcelo Queiroz, presidente da Fecomércio-RN.
Queiroz afirma que o texto aprovado precisa de aprimoramentos no que diz respeito à alíquota diferenciada para os Serviços. “O principal insumo do setor é a mão de obra, que não gera créditos tributários. Isso faz com que a alíquota efetiva seja muito superior àquela dos demais segmentos. A partir de estudos técnicos, a CNC [Confederação Nacional do Comércio] propõe que seja aplicado um regime diferenciado para o segmento”, explica. Neste caso, a proposta da CNC é de que a alíquota seja de 6,5%.
Para Paolo Passariello, presidente da Abrasel, a reforma, do modo como está, é vaga. “A Abrasel nacional nos assegurou que haverá uma alíquota reduzida para bares e restaurantes. Esta foi uma demanda muito forte nossa. Mas outros setores podem ficar prejudicados. Será preciso aguardar, porque muita coisa depende de leis complementares. Portanto, há muitas incertezas”, afirma.
Para Roberto Serquiz, diretor primeiro tesoureiro da Fiern, com essa votação na Câmara dos Deputados, chega-se a um texto que “não resolve todos os problemas tributários e fiscais do país, mas há pontos que mudam a realidade tributária e trazem, para a economia, uma simplificação no aspecto operacional e isso deverá ter implicações positivas para a empregabilidade e o crescimento das empresas”.
Ele ainda afirma que “com tantas discussões, podemos não ter chegado a um ideal, mas ao possível em uma negociação para melhorar o ambiente de negócios. Portanto, há avanços na proposta aprovada na Câmara dos Deputados e que segue para apreciação do Senado”.
Atualmente, analisa Serquiz, o país tem um Sistema Tributário caótico, com tributos repletos de problemas, como os atuais ICMS, PIS, Cofins, IPI. “Esses tributos possuem um contencioso que hoje se estima em mais de R$ 5 trilhões. Então, a simplificação é um dos avanços que consideramos importantes. Essa simplificação virá com a institucionalização dos impostos sobre Valor Agregado (IVAs), dividido em duas categorias, daí o nome IVA Dual. O IVA estadual, que passará a agregar o ICMS e o ISS; e o IVA Federal, que agregará o IPI, PIS e Cofins. Então, isso implicará em simplificação importante. Mais do que isso, haverá uma rapidez e garantia da restituição do crédito presumido. Tinha um acúmulo de crédito, sem a garantia de receber”, afirma o dirigente.
Outra evolução citada por ele é o fim dos benefícios fiscais diferentes em cada Estado, que serão mantidos até 2032 mas, a partir de então, chega ao fim ‘a guerra fiscal’ interestadual. “Isso é um aspecto que assegura isonomia e competitividade. Também consideramos um avanço a aprovação do Fundo de Desenvolvimento Regional, que terá destinação para infraestrutura, inovação, pesquisa e ciência. Enfim, isso vai proporcionar melhoria para os ambientes de negócios regionais”, afirma.
Segundo ele, é muito importante colocar trava para criação de novos impostos e aumento da carga tributária. “Isso foi discutido e proposto, mas não se conseguiu nessa votação. Mas haverá a discussão e votação no Senado, além da aprovação de lei complementar. Serão oportunidades de defender aperfeiçoamentos e acrescentar esse tipo de sugestões”, complementa.
Quanto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) ele diz ser importante a destinação de recursos prevista na reforma aprovada na Câmara. “Ants havia os recursos dessa parte da tributação para incentivos fiscais e, com a reforma, o FNDR ficará assegurado para infraestrutura, tecnologia, ciência, enfim, criar ambientes regionais favoráveis ao desenvolvimento. A definição de valores específicos agora, não vejo que faz diferença. De qualquer forma, há possibilidade do assunto ser discutido no Senado”, avalia.
Faern e Assurn avaliam reforma como positiva
Enquanto parte dos setores se diz preocupada com o andamento da reforma tributária no País, outros comemoram as mudanças previstas. Gilvan Mikelyson, presidente da Associação dos Supermercados do Rio Grande do Norte (Assurn), avalia que o texto-base aprovado na Câmara é positivo para o setor, mesmo com indefinições. Ele pontua que a cesta básica não sofrerá elevação de preços.
“Nossa grande preocupação era o impacto da precificação da cesta. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) fez um estudo para alertar que a forma como o texto estava formatado iria provocar um impacto alto. Por isso, foi criada a cesta básica nacional. Então, no mínimo, a gente não vai ter aumento de preços”, explica.
A possibilidade de encarecimento da cesta foi alvo de várias críticas. Diante disso, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), concordou em zerar alíquotas para alguns itens. Os produtos serão incluídos na chamada cesta básica nacional de alimentos, a ser definida por lei complementar. A Abras encaminhou ao Ministério da Fazenda e ao gabinete do próprio Ribeiro uma relação com sugestões de 34 itens que podem compor a cesta. A maioria das sugestões é relacionada à alimentação.
São itens como carnes, peixe, ovos, farinha de trigo, de mandioca e de milho, massas alimentícias e pão francês, variados tipos de leite, queijos, soro de leite, manteiga frutas, verduras, legumes, arroz, feijão, trigo, café, açúcar, alguns tipos de óleo e margarina. “É muito importante ter a isenção desses e de outros produtos para facilitar o acesso das pessoas à cesta básica”, defende Mikelyson.
O presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do RN (Faern), José Vieira, disse estar satisfeito com a reforma. “Nós conseguimos que o relator atendesse a quase totalidade dos nossos pleitos e com isso nós tivemos condições de apoiar a votação. Vamos atuar futuramente no Senado para melhorar as demandas do agro. A reforma é um grande avanço para a sociedade, necessária ao País que precisa dela para melhorar o ambiente tributário”, afirma Vieira.
Segundo ele, no entanto, ainda é preciso fazer ajustes para que o setor usufrua de melhores benefícios. “Um dos pontos que necessitam de alterações é a tributação do produtor rural pessoa física. Quem tem faturamento anual de R$ 3,6 milhões está isento, de acordo com a reforma. Nós entendemos que o ideal é a isenção para quem fatura até R$ 4,8 milhões, ou seja, o mesmo valor de isenção das micro e pequenas empresas”, diz.
O presidente da Associação dos Empresários do Bairro do Alecrim (AEBA), Matheus Feitosa, comenta que espera redução da carga tributária para pequenas e médias empresas. “Isso traz a possibilidade de investimentos na qualidade da matéria-prima, além de melhoria de mão de obra e de infraestrutura das empresas. Avalio o texto como positivo, de um modo geral. Feitosa chama atenção, no entanto, para o cumprimento das mudanças em discussão. “A proposta do cashback é interessante, mas ela precisa chegar a quem precisa de fato. Espero que as mudanças aconteçam para beneficiar a população e os empreendedores”, fala.
Principais Pontos
Entenda a reforma tributária aprovada na Câmara
– Unificação de impostos sobre o consumo
A reforma tributária acaba com os impostos federais IPI, PIS e Cofins, o estadual ICMS e o municipal ISS. No lugar, entram CBS (para substituir os tributos federais) e IBS (para substituir o ICMS e o ISS). Além disso, será criado um Imposto Seletivo, que incidirá sobre itens nocivos à saúde e ao meio ambiente.
– Fim do imposto em cascata
Com a criação dos IVAs, será implantada a “não cumulatividade plena”, ou seja, deixarão de ser cobrados impostos sobre impostos. Os novos impostos passam a ser cobrados no local onde os produtos são consumidos, e não onde são produzidos. O principal objetivo da medida é colocar fim à chamada guerra fiscal entre os Estados, prática na qual os governadores concedem isenções a empresas e indústrias para que elas se instalem nos seus territórios.
– Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR)
Cria o fundo para Estados e municípios com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais e sociais e compensar o fim dos subsídios fiscais. Os recursos terão de ser aplicados em: realização de estudos, projetos e obras de infraestrutura; fomento a atividades produtivas com elevado potencial de geração de emprego e renda, incluindo a concessão de subvenções; ações para o desenvolvimento científico e tecnológico e à inovação.
Os aportes de recursos serão feitos pela União em valores que se iniciam em R$ 8 bilhões em 2029, chegando a R$ 40 bilhões a partir de 2033. Os valores ficarão fora do novo teto de gastos.
O relator deixou os critérios de distribuição do fundo para lei complementar, o que irritou os Estados do Norte e Nordeste.
Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais
Irá compensar as perdas com incentivos e benefícios fiscais de ICMS concedidos até 31 de maio de 2023. Os aportes também serão feitos pela União, fora do teto, e somarão R$ 160 bilhões entre 2025 e 2032.
Alíquotas reduzidas
Haverá uma alíquota única, como regra geral, e uma alíquota reduzida. Nove grupos de produtos e serviços terão alíquota 60% menor que a padrão, que só será definida em lei complementar.
Os beneficiados são:
Serviços de educação;
Serviços de saúde;
Dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência;
Medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
Serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual;
Produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
Insumos agropecuários e aquícolas, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal;
Produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais e atividades desportivas;
Bens e serviços relacionados a segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética;
Combustíveis e lubrificantes;
Serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e apostas (concursos de prognósticos);
Serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, restaurantes e aviação regional
Cashback
Criação da possibilidade de devolução do IBS e da CBS a pessoas físicas de forma ampla, a ser definida em lei complementar, como uma forma de beneficiar a população de renda mais baixa.
Cesta básica
Criação de uma cesta básica nacional, cujos produtos terão alíquota zero. Hoje, cada Estado tem a sua composição. A definição dos produtos que vão compor essa nova cesta nacional ficou para a lei complementar.
Carga tributária
O teto inclui uma trava para evitar aumento de carga tributária.
Herança, imóvel, lancha e jatinho
A reforma estabelece a obrigatoriedade de uma tributação progressiva para as heranças – quanto maior o valor recebido pelo herdeiro, maior será a alíquota; amplia o alcance do IPVA para veículos aquáticos, como lanchas, e aéreos, como jatinhos; permite que as prefeituras atualizem a base de cálculo do IPTU por meio de decreto, a partir de critérios estabelecidos em lei municipal.
Segunda etapa da reforma
Determina que a reforma da tributação da renda seja enviada ao Congresso Nacional em até 180 dias da promulgação da reforma dos impostos de consumo.
Fonte: Tribuna do Norte/Felipe Salustino