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1 de dezembro de 2025

O impacto do piso nacional dos farmacêuticos nas pequenas farmácias e no acesso a medicamentos

Por Marcelo Queiroz, Presidente do Sistema Fecomércio RN, Sesc e Senac

O debate sobre a valorização dos profissionais farmacêuticos é legítimo e necessário. Em qualquer sociedade que pretende avançar em saúde pública, reconhecer o papel desses profissionais é um passo fundamental. No entanto, a forma como essa valorização se concretiza precisa respeitar o equilíbrio econômico das empresas, a diversidade regional do país e a capacidade de manter empregos e serviços essenciais funcionando.

O Projeto de Lei nº 1.559/2021, que cria um piso salarial nacional para os farmacêuticos, ignora justamente essa realidade. Pela proposta aprovada nesta semana na Comissão de Administração e Serviço Público (CASP) da Câmara dos Deputados, nenhum farmacêutico poderá receber menos que R$ 6,5 mil mensais, valor que seria reajustado pelo INPC e que hoje equivaleria a cerca de R$ 7,4 mil. Contudo, um ponto específico merece ainda mais atenção: o texto expressamente exclui da obrigação de cumprir o piso os órgãos da administração pública direta, indireta, autárquica e fundacional.

Essa diferenciação é especialmente preocupante e contraditória. Enquanto o setor privado, composto majoritariamente por pequenas e médias empresas, é compelido a arcar com o impacto integral do novo piso, o próprio Estado, propositor e fiscalizador da regra, não se submeterá a ela. Na prática, cria-se um ambiente de assimetria: o custo é privado, mas a decisão é pública. É um contrassenso que fragiliza a narrativa de valorização da categoria e transfere todo o ônus para quem já opera no limite de sua capacidade financeira.

Para farmácias cujo faturamento médio não chega a R$ 50 mil, realidade comum no Norte-Nordeste, trata-se de um impacto simplesmente insustentável. Ao propor um valor único obrigatório para todo o Brasil, independentemente das diferenças econômicas entre estados, municípios e setores, o texto avança em uma direção perigosa, cujas consequências podem resultar no fechamento de milhares de pequenos estabelecimentos e na redução da oferta de serviços em áreas que mais dependem das farmácias independentes.

No Brasil, a maioria das farmácias são micro ou pequenas empresas. Em muitos municípios, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, a única farmácia existente é justamente uma unidade independente, que cumpre papel indispensável na assistência à população. Elas enfrentam margens estreitas, forte pressão tributária e limitações legais para repassar custos aos preços, já que os medicamentos têm reajuste controlado por lei federal.

Se aprovado da forma atual, o PL ampliará a desigualdade concorrencial. Enquanto o setor privado absorve custos que podem chegar a mais de R$ 20 mil mensais para manter dois farmacêuticos em tempo integral, cenário comum em virtude da legislação sanitária, o poder público continuará autorizado a contratar profissionais por valores inferiores. O resultado é claro: fragilização da capacidade de competição das pequenas empresas, encerramento de empresas e concentração ainda maior do mercado.

A consequência imediata seria o fechamento de unidades, especialmente nas cidades menores. E isso não é apenas um problema empresarial: é um problema social. A maioria dos credenciados ao programa “Farmácia Popular” são do pequeno varejo. Qualquer redução na capilaridade dessas empresas atinge, em cheio, o acesso da população a medicamentos essenciais, sobrecarregando ainda mais os sistemas públicos de saúde.

Outro ponto que preocupa é o impacto sobre o emprego. A criação de um piso sem viabilidade econômica provocaria demissões, redução de jornadas e retração nas contratações.

Por tudo isso, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), as federações estaduais, sindicatos e demais entidades representativas do varejo farmacêutico têm manifestado, de forma uníssona, sua posição contrária ao PL em sua forma atual. Não porque discordem da valorização profissional, ao contrário. Mas porque defendem que essa valorização ocorra pelo caminho mais responsável e constitucionalmente adequado: a negociação coletiva.

A Constituição é clara ao determinar que pisos salariais devem ser estabelecidos preferencialmente via acordos coletivos, justamente para permitir que cada realidade regional e cada setor encontrem soluções equilibradas, sustentáveis e compatíveis com sua capacidade econômica. Também determina tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas, reconhecendo sua vulnerabilidade e importância para o desenvolvimento nacional.

O Brasil precisa de diálogo, não de imposições. De políticas que promovam desenvolvimento, não que inviabilizem atividades essenciais. A valorização dos farmacêuticos deve ser construída com responsabilidade e negociação, garantindo não apenas um salário digno, mas também a sobrevivência de milhares de pequenas farmácias e a manutenção do acesso da população aos medicamentos.

Em um país tão diverso quanto o nosso, um piso único nacional pode parecer uma solução simples. Mas, na prática, seria um problema de grandes proporções. É preciso cautela, bom senso e respeito às realidades econômicas de cada região. O Rio Grande do Norte, assim como todo o país, não pode correr o risco de perder capilaridade no atendimento farmacêutico, especialmente onde ele é mais necessário.

O caminho não é impor. O caminho é negociar. E é isso que defendemos.

Artigo publicado no Jornal Tribuna do Norte

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