No primeiro semestre, saldo salta 31,5%. Com vendas turbinadas por grãos e petróleo, país deve fechar o ano exportando mais do que compra do exterior
As contas externas, fonte frequente de problemas para países emergentes, mudaram de lado no Brasil e, nos últimos tempos, vêm impulsionando a economia do país. Com a pujança do agronegócio e a produção de petróleo nas reservas do pré-sal, a balança comercial brasileira teve saldo de US$ 45 bilhões na primeira metade deste ano, um salto de 31,5% ante igual período de 2022.
O Boletim Focus, do Banco Central (BC), que capta as projeções de analistas do mercado financeiro, começou este mês projetando US$ 64 bilhões em 2023. Anteontem, a previsão subiu para US$ 65 bilhões. Se isso se confirmar, será o terceiro ano seguido de superávit recorde, com o país exportando mais que compra do exterior.
Nos últimos anos, a melhora nos números do comércio exterior foi puxada pelo aumento do volume exportado e não dos preços. As cotações dos produtos mais vendidos pelo país, como soja e milho, vinham em queda este ano, mas a produção está em alta.
Os preços internacionais voltaram a subir nos últimos dias, após a Rússia suspender o acordo que permitia à Ucrânia exportar grãos pelo Mar Negro. Na segunda-feira, os contratos futuros mais negociados de milho saltaram 5,63% na Bolsa de Chicago. Os do trigo avançaram 2,60% e os da soja, 1,25%.
A invasão russa, iniciada em fevereiro de 2022, afetou as exportações da Ucrânia, um dos maiores produtores de alimentos da Europa. A restrição da oferta no ano passado ajudou a turbinar a inflação global com a valorização das commodities agrícolas, mas o acordo havia trazido um alívio desde meados do ano passado.
Uma nova alta nos preços internacionais de grãos teria impacto negativo sobre a inflação também no Brasil, mas por outro lado favoreceria ainda mais as contas externas brasileira.
Para o presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto Castro, o impacto deve ter “curta duração”. Isso porque as exportações ucranianas (com destaque para milho, trigo e cevada) não têm volume suficiente para modificar o cenário global atual.
— É bom para o Brasil? Sim, mas o benefício é pequeno — afirmou Castro, em relação à possibilidade de as cotações aumentarem as exportações brasileiras em valor.
Impacto sobre a inflação
Num momento em que países vizinhos como a Argentina têm como um dos principais elementos de crise a escassez de dólares, as exportações em alta aumentam o fluxo da moeda americana para o Brasil, o que favorece a valorização do real e reduz pressão inflacionária.
Mas, se uma eventual valorização das cotações agrícolas pode impulsionar ainda mais a balança comercial, isso poderia, por outro lado, voltar a pressionar a inflação num momento em que o BC se prepara para iniciar o corte dos juros.
No Brasil, boa parte do alívio observado nos preços este ano tem vindo dos alimentos, em meio à safra recorde. Nos supermercados, itens como óleo de soja, carne e derivados do milho estão mais baratos.
Segundo André Braz, coordenador de Índice de Preços da FGV, embora seja cedo para avaliar o impacto dos novos problemas na Ucrânia, cotações em alta costumam se espalhar no setor de alimentos:
— O trigo pode influenciar os panificados, enquanto a soja pode influenciar os preços das rações para frango, suínos e aumentar os preços das carnes. Pode sobrar até para o ovo porque os aviários têm suplementos à base de soja.
Independentemente das cotações diárias, alguns analistas veem uma mudança estrutural. Em maio, Robin Brooks, economista-chefe do IIF, uma associação global da indústria financeira, escreveu nas redes sociais que o “Brasil está no caminho de se tornar a Suíça (conhecia pelas grandes reservas que fortalecem sua moeda) da América Latina”, porque um “enorme superávit comercial está emergindo” e isso “vai dar ao Brasil estabilidade externa e uma moeda forte”.
Desde 2000, as exportações de soja do Brasil cresceram, em volume, quase sete vezes. O de vendas de petróleo é quase seis vezes o de 20 anos atrás.
— Na nossa região, tivemos nos últimos 20 anos um aumento de 20% na área (plantada), mas o nosso aumento de produtividade já chega a 50% — diz o produtor de soja Joel Ragagnin, dono da Fazenda Santo Antônio, em Jataí (GO), e presidente a Aprosoja-GO, a associação dos agricultores locais. — A aplicação de tecnologias e mudanças no sistema de produção fizeram aumentar bastante a produtividade.
Na safra do primeiro semestre, a Fazenda Santo Antônio produziu 9,2 mil toneladas de soja, 5% acima de 2022. Cerca de 45% foram exportados.
Com o crescimento da produção, o Brasil avançou no mercado global do grão. Nos últimos seis anos, a soja brasileira ficou com uma fatia de 44% a 56%, ante participação de mercado entre 28% e 36%, de 2003 a 2012, mostra um relatório do Ipea. As exportações de petróleo do Brasil foram de 0,5% a 1,5% das vendas mundiais, entre 2003 e 2013. Em 2021 e no ano passado, ficou em 3,5% e 3,2%, respectivamente.
Segundo economistas, a entrada de dólares das exportações movimenta a economia local e é um dos fatores por trás da queda na taxa de câmbio nos últimos meses, ajudando a segurar a inflação. Estes ventos externos favoráveis ajudam a melhorar a visão sobre a economia brasileira.
— Havia uma perspectiva de menor crescimento do comércio mundial e, ao mesmo tempo, de queda nas cotações de commodities, o que as pessoas associam a uma piora do cenário externo para o Brasil e não foi isso que estamos vendo — diz Julia Braga, coordenadora de Acompanhamento e Estudos da Conjuntura do Ipea.
Um ‘boom’ diferente
Nos anos 2000, no primeiro governo Lula, o boom nas cotações das matérias-primas também ajudou a turbinar o crescimento econômico, mas numa proporção mais significativa e puxada pela alta dos preços internacionais. Para economistas, o fato de a expansão agora se dar por volume vendido deixa os produtores menos suscetíveis à volatilidade. Por outro lado, eventual queda desestimularia investimentos na safra seguinte, limitando a produção, lembra Lia Valls, pesquisadora do FGV Ibre.
Bruno Lucchi, diretor-técnico da CNA, avalia que os produtos brasileiros que podem ser afetados pela suspensão do acordo entre Rússia e Ucrânia são o milho e, em menor proporção, o trigo. Mas também não vê impacto significativo no preço do milho, que tem no momento superoferta mundial. Quanto ao trigo, que o Brasil precisa importar, ele avalia que o acesso a outros fornecedores, como Argentina, EUA e Canadá, pode amenizar o efeito no preço.
A dúvida é sobre a importação de fertilizantes. A Rússia é responsável por 25% das importações de adubos e defensivos do Brasil, e o acirramento da guerra pode elevar os preços dos insumos. Procurados, os ministérios da Agricultura e de Relações Exteriores não se manifestaram. (Colaborou Eliane Oliveira)
Fonte: O Globo/ Vinicius Neder e Carolina Nalin.